Como a Contabilidade de Hedge Pode Proteger Empresas Exportadoras das Flutuações Cambiais: Um Exemplo Prático

Segundo o relatório de mercado semanal “Focus” publicado pelo Banco Central no dia 14/10/2024, a previsão atual da taxa de câmbio do dólar (USD) versus real (BRL) é USD 1 = BRL 5,4 para o fim do ano (31/12/2024). Se isso acontecer, o ano de 2024 será encerrado com uma desvalorização cambial do real (BRL) de 11 a 12%.

Mas o que isso significa para as empresas exportadoras brasileiras? Muitas delas que contrataram dívidas em dólares, aplicando a estratégia de “hedge natural”, poderão enfrentar perdas cambiais significativas sem a devida compensação pelas receitas de exportação. Neste contexto, é essencial compreender os benefícios da Contabilidade de Hedge (Hedge Accounting) e como ela pode proteger as receitas de exportação contra as flutuações cambiais.

Este breve artigo pretende ilustrar os benefícios da Contabilidade de Hedge (Hedge Accounting) e em particular as condições e as consequências da designação de Passivos financeiros em dólares (USD) como instrumentos de hedge “não derivativos” para a cobertura do risco cambial de Receitas de Exportação altamente prováveis, em USD.

Vale lembrar, antes de iniciar a apresentação dessa estratégia de hedge, que a documentação de hedge accounting é o pilar fundamental da estratégia e que sem documentação precisa, detalhada e inequívoca, não há o que se falar em hedge accounting.

Embora a exigência de documentação, designação e demonstração da eficácia da relação de hedge seja uma obrigação clara do pronunciamento contábil CPC 48 (correlacionado à norma IFRS 9), não é incomum escutar executivos financeiros tentados de diferir simplesmente e globalmente a variação cambial dos passivos financeiros que eles contrataram para criar um “hedge natural”, segundo o vocabulário que eles usam.

Como veremos a seguir, no caso específico de uma estratégia de hedge de Receitas de Exportação (em USD) com passivos financeiros em USD, a preparação de documentação adequada e detalhada se explica pela importância da qualidade da designação, monitoramento, controle e demonstração da eficácia da estratégia.

Para ilustrar as especificidades dessa estratégia iremos apresentar um exemplo simples (mas didático) que mostrará que o diferimento da variação cambial sem designação precisa não é um procedimento adequado, mesmo quando os termos críticos (valores nocionais) da posição protegida (Receitas de exportação altamente prováveis em USD) e do instrumento de hedge (passivos financeiros em USD) são idênticos.

Exemplo ilustrativo:

Vamos considerar o caso hipotético de uma empresa ABC que em 01/01/20X5 decide contratar uma divida em USD no valor de 750.000 USD e vencimento único em 30/09/20X5. Para simplificar o raciocínio vamos considerar que a dívida será reembolsada em um único pagamento (principal mais juros) no dia 30/09 e vamos desconsiderar o efeito dos juros para que o exemplo ilustrativo fique ainda mais esclarecedor.

Vamos considerar por outra parte que empresa ABC contratou esse passivo financeiro em dólar para financiar três exportações precisas de 250.000 USD que acontecerão em 31/03, 30/06 e 30/09. Portanto, a empresa ABC contratou um passivo de USD 750.000 para financiar exportações altamente prováveis de mesmo valor (USD 750.000).

Em 01/01/20X5, vamos considerar que a taxa de câmbio do USD é de USD 1 = BRL 5.

Para ilustrar o efeito de essa estratégia de hedge supostamente “natural”, vamos comparar os efeitos financeiros sem variação cambial e depois com variação cambial entre o 01/01 e o 30/09.

Caso 1: Sem variação cambial

Data Taxa de Câmbio USD 1 = BRL Passivo financeiro em USD Passivo financeiro em BRL Receitas de Exportação em USD Receitas de Exportação em BRL
01/01/20X5 5,00 USD 750.000 BRL 3.750.000
31/03/20X5 5,00 USD 750.000 BRL 3.750.000 USD 250.000 BRL 1.250.000
30/06/20X5 5,00 USD 750.000 BRL 3.750.000 USD 250.000 BRL 1.250.000
30/09/20X5 5,00 USD 750.000 BRL 3.750.000 USD 250.000 BRL 1.250.000
Total USD 750.000 BRL 3.750.000 USD 750.000 BRL 3.750.000

Análise: Neste cenário, não há variação na taxa de câmbio ao longo do período. O valor total das receitas de exportação (USD 750.000) convertidas em reais (BRL 3.750.000) será igual ao valor da dívida (USD 750.000) que será reembolsada pela taxa de USD 1 = BRL 5, ou seja pelo mesmo valor em reais (BRL 3.750.000) e resultando em um equilíbrio financeiro.

Agora que já temos em mente os números do exemplo, vamos supor agora a ocorrência de variação das taxas de câmbio.

Caso 2: Com Variação Cambial

A tabela abaixo apresenta as taxas de câmbio que serão consideradas no exemplo.

Data Taxa de Câmbio USD 1 = BRL
01/01/20X5 5,00
31/03/20X5 5,50
30/06/20X5 6,00
30/09/20X5 6,50

Nesse caso, as receitas de exportação convertidas em BRL e os valores dos acréscimos devidos às variações das taxas de câmbio serão de:

Data Taxa de Câmbio USD 1 = BRL Receitas de Exportação em BRL Acréscimo de Receitas em BRL
01/01/20X5 5,00
31/03/20X5 5,50 BRL 1.375.000 BRL 125.000
30/06/20X5 6,00 BRL 1.500.000 BRL 250.000
30/09/20X5 6,50 BRL 1.625.000 BRL 375.000
Total BRL 4.500.000 BRL 750.000

Análise: A  variação das taxas de câmbio em 31/03, 30/06 e 30/09 provocou um acréscimo das Receitas de exportação no valor total de BRL 750.000 (BRL 125.000 + BRL 250.000 + BRL 375.000).

Passivo com variação cambial

A tabela a seguir ilustra como a dívida varia ao longo do período devido às flutuações cambiais:

Data Taxa de Câmbio USD 1 = BRL Passivo financeiro em BRL Variação cambial em BRL
01/01/20X5 5,00 BRL 3.750.000 BRL 375.000
31/03/20X5 5,50 BRL 4.125.000 BRL 375.000
30/06/20X5 6,00 BRL 4.500.000 BRL 375.000
30/09/20X5 6,50 BRL 4.875.000 BRL 1.125.000

Como podemos verificar acima, o valor da dívida variou de BRL 3.750.000 (USD 750.000 x 5) em 01/01 para BRL 4.875.000 (USD 750.000 x 6,5) em 30/09 (data de vencimento).

Análise: Do lado dos ativos, o risco cambial provocou um acréscimo das receitas de exportação e das entradas de reais (BRL) no caixa (cash-in) de BRL 750.000. Do lado do passivo, houve um acréscimo das dividas e das saídas de reais (BRL) no caixa (cash-out) de BRL 1.125.000.

Após analisar esse simples exemplo, fica evidente que não se pode falar em “hedge natural” nesse tipo de estratégia financeira e que não se deve diferir a totalidade da variação cambial da dívida na estratégia de hedge, já que a variação cambial total do instrumento de hedge excede em BRL 375.000 (1.125.000-750.000=BRL 375.000) a variação das receitas de exportação.

Ou seja, a variação cambial do passivo financeiro representa um excesso de cobertura de 50,00% da variação dos itens protegidos (375.000/750.000=0,5) que deve ser reconhecido diretamente no resultado financeiro e que não pode ser diferido no patrimônio líquido na estratégia de contabilidade de hedge.

Como isso aconteceu? A resposta está ilustrada na tabela que segue.

Data Instrumento de Hedge Exportações previstas Itens protegidos
01/01/20X5 USD 750.000 USD 750.000
31/03/20X5 USD 750.000 USD 250.000 USD 500.000
30/06/20X5 USD 750.000 USD 250.000 USD 250.000
30/09/20X5 USD 750.000 USD 250.000
Total USD 750.000 USD 750.000  

Análise: Observe que enquanto o passivo financeiro fica constante no valor de USD 750.000 durante todo o período (01/01 a 30/09), os valores dos itens protegidos (receitas de exportações altamente prováveis) são decrescentes no período (01/01 a 30/09).

No primeiro trimestre, no exemplo apresentado acima, o valor do instrumento de hedge é igual ao valor dos itens protegidos, mas após a realização da receita de exportação do primeiro trimestre em 31/03/20X5, o valor dos itens protegidos para o segundo trimestre é apenas de USD 500.000. De forma semelhante, no terceiro trimestre o valor dos itens protegidos será de apenas USD 250.000.

Portanto, ficou demonstrado porque é preciso designar e documentar com cautela e critério, os instrumentos de hedge (passivos financeiros), os itens protegidos (receitas de exportação), os períodos de cobertura e diferimento dos hedges (início e fim) e os períodos de transferência dos ganhos e perdas (que foram diferidos em outros resultados abrangentes, dentro do patrimônio líquido) para o resultado, para poder aplicar as regras de Hedge Accounting com variações cambiais de passivos financeiros não derivativos, e mais especificamente, para poder aplicar o modelo de Hedge de Fluxo de Caixa neste tipo de estratégia.

No exemplo ilustrativo que foi apresentado acima, do valor total da variação cambial (BRL 1.125.000), somente BRL 750.000 poderão ser transferidos para o grupo de Receitas e o resto da variação cambial (BRL 375.000) deverá ser excluída da estratégia de contabilidade de hedge.

A tabela a seguir mostra como a Receita de Exportação é ajustada após a aplicação correta das regras de Hedge Accounting:

Data Taxa de Câmbio USD 1 = BRL Receitas de Exportação em BRL Ajuste de Hedge Accounting Receita Ajustada em BRL
31/03/20X5 5,50 BRL 1.375.000 BRL -125.000 BRL 1.250.000
30/06/20X5 6,00 BRL 1.500.000 BRL -250.000 BRL 1.250.000
30/09/20X5 6,50 BRL 1.625.000 BRL -375.000 BRL 1.250.000
Total   BRL 4.500.000 BRL -750.000 BRL 3.750.000

Análise: Após a aplicação correta das regras de Hedge Accounting, a receita de exportação ficará em cada trimestre (31/03, 30/06 e 30/09) registrada logicamente pelo valor da taxa de câmbio do dia da designação inicial da relação de Hedge (USD 1 = BRL 5), ou seja pelo valor de BRL 1.250.000 (USD 250.000 x 5 = BRL 1.250.000) e da demonstração da eficácia prospectiva da relação de hedge.

Conclusão

O exemplo apresentado evidencia que a tão usada estratégia de “hedge natural” sem a devida designação e documentação adequada dos instrumentos de hedge não é suficiente para mitigar os riscos cambiais da organização de forma eficaz.

O diferimento completo da variação cambial do passivo financeiro é, como foi ilustrado no exemplo, inadequado. Esse tipo de contabilização simplista e sem critério não somente está incorreto, mas também é capaz de provocar uma distorção relevante nas demonstrações financeiras, e por isso não deve ser feito sem critério.

Como podemos ajudar: Caso você precise de ajuda para designar, documentar, contabilizar e divulgar essa estratégia específica de hedge, assim como qualquer outra, podemos fornecer para sua organização toda a assistência técnica necessária para desenhar, documentar, mensurar, monitorar e divulgar adequadamente qualquer estratégia de hedge com derivativos ou com instrumentos financeiros. Além disso, somos capazes de capacitar toda a sua equipe em gestão de riscos financeiros com derivativos e na aplicação das regras de contabilidade de hedge.

Entre em contato: Não deixe que as variações das taxas de câmbio impactem negativamente os resultados financeiros da sua empresa. Entre em contato conosco para saber como podemos ajudar a proteger sua empresa contra os riscos cambiais e otimizar a gestão financeira da sua organização.

Autor: César Ramos, 15/10/2024

César Ramos
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